A “mistura” de patrimônio entre o desembargador aposentado Divoncir Schreiner Maran, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, sua esposa e seus filhos acabou colocando todos juntos na investigação de supostos esquemas de venda de sentenças que culminou na Operação Ultima Ratio, deflagrada em 24 de outubro. Entre os negócios da família Maran, a Polícia Federal revela a compra de uma fazenda do conselheiro Waldir Neves, do Tribunal de Contas do Estado, por R$ 3,985 milhões em dezembro de 2017.
No entanto, conforme dados de compra e venda de imóveis do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), a aquisição foi declarada pelo valor de R$ 2,2 milhões, ou seja, uma omissão de R$ 1,7 milhão. Waldir Neves é investigado nas Operações Mineração e Terceirização de Ouro, e está afastado do cargo de conselheiro do TCE desde 8 de dezembro de 2022, sendo monitorado com tornozeleira eletrônica.
Antes de se aposentar, Divoncir Schreiner Maran foi afastado do cargo de desembargador pela ministra Maria Isabel Gallotti, do Superior Tribunal de Justiça, no dia 6 de fevereiro de 2024, quando a Polícia Federal deflagrou a Operação Tiradentes. Ele é acusado de receber propina para soltar o chefão do PCC, Gerson Palermo, condenado a 126 anos de prisão, durante o feriadão de Tiradentes em abril de 2020.
O ex-presidente do TJMS, porém, retomou o cargo dois meses depois graças a habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal.
Divoncir Maran se vê novamente envolvido em suspeita de venda de sentença, desta vez, na Operação Ultima Ratio. No inquérito da investigação enviado ao STJ, a Polícia Federal informa que verificou “confusão patrimonial” entre o desembargador aposentado e sua esposa, Viviane Alves Gomes De Paula. Foram identificados, em diversos anos, doação de recursos financeiros entre ambos sem a devida contrapartida bancária.
“No ano-calendário de 2016, DIVONCIR declarou que fez uma doação de R$ 60 mil para VIVIANE. Ocorre que, ao analisar os dados bancários disponíveis, verificou-se que, em 2016, não há transferência bancária para VIVIANE. Como não há valores em espécie declarados, resta o questionamento quanto a operacionalização da transação declarada por DIVONCIR, bem como a origem desses recursos”, detalha a PF.
“Ademais, no ano-calendário de 2018, novamente, DIVONCIR MARAN declara uma doação de R$ 48 mil para VIVIANE ALVES. Ocorre que, ao analisar os dados bancários disponíveis, verificou-se que, em 2018, há 3 transferências bancárias para VIVIANE no valor total de R$ 4.500,00. Como não há valores em espécie declarados, resta o questionamento de que forma foi realizado o pagamento da diferença, isto é, mais de R$ 43 mil daquilo que foi declarado com os débitos bancários do investigado, bem como a origem de tais recursos”, complementa.
No ano-calendário de 2019, Divoncir declarou ter realizado uma doação de R$ 170 mil para Viviane. Ocorre que, ao analisar os dados bancários disponíveis, verificou-se que, naquele ano, há 2 transferências bancárias para Viviane no valor total de R$ 581,00. “Como não há valores em espécie declarados, resta o questionamento de que maneira foi realizado o pagamento da diferença, isto é, mais de R$ 169 mil daquilo que foi declarado menos os débitos bancários do investigado, bem como a origem de tais recursos”, pondera a PF.
Seguindo, no ano-calendário de 2020, Divoncir declarou ter realizado doação de R$ 223.750,00 para sua esposa. Os investigadores dizem que com os dados bancários disponíveis, não foi possível identificar débitos bancários que suportassem tal doação para sua convivente, “o que causa certa estranheza”.
Entre os outros negócios citados, está a compra de 50% de um imóvel em Campo Grande, em setembro de 2020, pelo valor total de R$ R$ 557.120,00, declarada como ocorrida à vista, com 50% de participação na compra entre o ex-presidente do TJMS e Viviane, cada.
“É possível que as doações acima referidas de DIVONCIR a VIVIANE sejam pagamentos efetuados por ele na compra do imóvel acima, contudo, de qualquer forma, verifica-se, a nosso ver, uma confusão patrimonial entre eles”, explica a PF.
Em 2021, declarou ter doado R$ 200 mil à esposa, sendo que, naquele ano, as operações bancárias registradas entre ambos não chegou a R$ 15 mil. No ano seguinte, a doação foi de R$ R$ 405.957,30, mas foram identificadas transferências de R$ 174.933,33.
“Ponto relevante e que merece ser mencionado é que, a despeito de as notas fiscais tanto de compra quanto de venda terem sido emitidas em nome do Desembargador DIVONCIR MARAN, em várias oportunidades foram os seus filhos VÂNIO CESAR MARAN e DIVONCIR JUNIOR quem realizaram os pagamentos ou receberam valores referente as notas fiscais relacionadas a negociação de semoventes”, afirmam os investigadores.
O exemplo utilizado é a emissão de notas fiscais em nome de Divoncir Schreiner Maran para a empresa Brasil Global Agroindustrial. Vânio Maran recebeu R$ 946.006,47 e Divoncir Junior, R$ 740.692,60.
“Demonstrado, mais uma vez, uma confusão patrimonial entres os familiares. Foi constatado que, nas contas bancárias de DIVONCIR MARAN JUNIOR, durante o período entre 14/02/2024 e 25/02/2019 foram realizados depósitos do tipo “220 – DEPÓSITOS EM ESPÉCIE” que totalizam R$ 524.610,47 em 104 lançamentos. Chamou a atenção essa quantidade de valores depositados em espécie, tendo em vista ser desconhecida a origem desses recursos”, relata a PF.
Essa “mistura patrimonial”, no contexto das investigações de negociação de decisões judiciais por intermédio de parentes e advogados, levou o ministro Francisco Falcão, do Superior Tribunal de Justiça, a autorizar os mandados de busca e apreensão contra Divoncir Schreiner Maran e seus filhos, além do afastamento do sigilo bancário e fiscal.
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